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sábado, 30 de outubro de 2010

Viktor - I


O suor rolava por nossas faces. Meus olhos como duas metralhadoras carniceiras dilaceravam os olhos deles que eram fortes e determinados. Era uma tarde muito quente e ele conseguia contrair toda minha musculatura só com o poder da mente. Ele queria. Eu queria que ele quisesse. Eu estava ficando louco, não agüentava mais, era muita pressão. Então, ele comete o maior dos espasmos de prazer que poderiam acontecer no momento. Lentamente ele fala:

- Tá ok, pode embalar pra presente, vou levar esse.

Essa é minha vida. Me humilhando pra porra d’um cliente levar um videogame pra no fim do mês vê se consigo uns cinqüenta reais de comissão a mais do meu mísero salário de estagiário. As coisas são complicadas onde moro então a gente tem de se virar desde cedo. Estou com vinte anos e já tenho muita bagagem profissional nas costas. Sou ator profissional sindicalizado com mais de oito anos de teatro e estou aqui, nessa loja, tirando a nota fiscal de um pai feioso que vai dar essa merda de videogame pra um pirralho mimado destruir em menos de alguns meses.

- Muitíssimo obrigado, senhor! Bom final de semana e volte sempre!

Final de semana? Bah! Hoje é sexta feira! Hoje é dia de me jogar na porra da noite e esquecer de tudo! De encher a cara, de fumar o que vir pela frente, de ser um eu que eu não conheço! E principalmente, hoje é a noite do show de Tom Zé que eu tanto esperava! O rei underground da tropicália! O pirulito da ciência! E em minutos estou saindo do banho. Me considero desgraçadamente feio, mas não posso dizer que não tenho estilo. Arrumo minhas roupas, meus bottons, passo os lacres na minha mochila (aqueles lacrezinhos de plástico garantem sua paz em shows lotadíssimos, caso você seja como eu que tem uma extensão do corpo chamado ‘mochila’, mas não se esqueça de deixar uma tesourinha sem ponta num dos bolsos da calça ou da blusa, caso queira abri-la) e parti.

Peguei o cartão de passagem e me joguei pra dentro do ônibus. Uma, duas, três, quatro paradas e eu desci. Uma coisa é você estudar história, movimento concretista e o movimento antropófago, outra coisa é você VER TOM ZÉ SE JOGANDO NO PALCO! Que energia! Que coisa fantástica! Que gênio da música brasileira! Que final estrondoso e cativante! Êxtase era tudo que eu sentia. Êxtase e uma tontura da porra. Tinha bebido muito e essa noite eu não estava com os amigos. Depois do show, vi uma rodinha se formar. Aparentemente um baiano estava puxando pessoas aleatórias pra uma roda de capoeira. Não pude me segurar, admiro muito a cultura baiana e tenho alma de percussionista. Profundamente tonto por já ter bebido cinco garrafas de vinho tinto que pareciam ser tonéis de cachaça sabor uva, lá estava eu, com o triângulo na mão, no meio da roda de capoeira, cantando em alto e bom som as cantigas de roda e todo tipo de música erudita popular brasileira. Rolou coco, ciranda de roda, aruanda, forró pé de serra. Quem não tinha instrumento batia palma, e quem tinha idéia puxava uma música. Um dos que aplaudiam mais era um senhor, que no chute eu daria uns 45 anos, alto, estiloso. Parecia trabalhar com teatro também. Barba grisalha mal feita. Sorriso destruidor e olhos serenos e cortantes como os de um assassino silencioso. Demorou pr’eu perceber que ele me assistia. Sempre sorrindo. Sempre.


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Fim da primeira parte

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3 comentários:

Afrodite disse...

Esperando pra ler o que aconteceu...
Ansiosamente!
Beijo e bom fim de semana!
Afrodite

MrLW disse...

Ok. Depois de ler fiquei ansioso pela segunda parte, então sugiro que poste logo! :x

MrLW disse...
Este comentário foi removido pelo autor.

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