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sexta-feira, 4 de março de 2011

Sequestro da alma: O peso de ser quem você não é

Sequestro é uma palavra que infelizmente faz parte do nosso dia a dia. Quando lê-se a palavra, você logo pensa em sequestro físico. O que rouba o corpo, que afasta a pessoa das pessoas que ama, sua familia, amigos, conhecidos, amigos de trabalho. Da rotina que já está acostumada, escola, faculdade, passeios, trabalho, viagens.. Esse sem dúvida é um sequestro humilhante, cruel, e quase sempre termina em tragédia. O sequestrador impõe as condições, e a vítima tem que obedecer, porque sua vida agora, depende do ser que está colocando um preço em sua vida. Veremos então quanto ela vale agora, quanto sua familia e amigos estão dispostos a pagar para te ter de volta. Em momentos, pessoas que já passaram por esse pesadelo, afirmam que começam a desacreditar no resgate, acha que a familia não vai poder ou lutar para conseguir o valor que lhe é pedido.  Acreditando que agora você só tem ao sequestrador, além de vulnerável, passa a ser dependente dele. Em tudo. É ele quem determina o que você come e quando come, e assim os dias vão se passando. Dias, meses, anos.. Quantos anos um sequestro pode durar? Não dá pra prever.
Da mesma forma que acontecem os sequestros físicos, acontecem os sequestros da alma.
Como assim Jess?
Sim, há um sequestrador, há um cativeiro, há sofrimento e lágrimas, dependência e vulnerabilidade, e tambem uma vítima: VOCÊ!
Esse sequestro pode ocorrer de várias maneiras, por vários motivos, mas vamos ressaltar um dos mais comuns: Quando você teme ser quem é, e passa a ser o que os outros querem que você seja.
Você se esconde em algum cantinho dentro de si e por fora fica a pessoa que todos querem ter por perto. Assim fica vulnerável, e o sequestrador pode aparecer. Lembro-me que quando eu não tinha mais como esconder de mim mesma que era lésbica, eu chorava, não sabia exatamente o que fazer, com quem conversar, a quem pedir conselho, e sempre que falava de uma forma discreta com alguém, as pessoas incrivelmente me diziam que isso era coisa da cabeça dos outros, que era uma escolha e ponto. E eu realmente passei a acreditar nisso, que era uma escolha, uma opção dos outros, e se eu tivesse que fazer essa escolha que decepcionaria e magoaria grande parte da minha família, eu escolheria o contrário.
Eu tinha apenas 14 anos e vinha de uma família preconceituosa. Comecei a frequentar igrejas e igrejas. Se aquilo tinha uma saída, eu a encontraria. Visitei igrejas de todos os tipos, grande parte, evangélicas. Não deixei de ir a católica enquanto isso. Diante do medo da reação da minha família, me tranquei dentro de um casulo que eu mesma fui tecendo. Era dor e solidão. Queria encontrar a fórmula perfeita para deixar de sentir atração por mulheres, mas essa tal fórmula nunca aparecia. Coloquei na cabeça que jamais ficaria com uma mulher, acreditando piamente que era o pecado máximo. Fiquei frágil, triste, vulnerável. Tive depressão na infância e depois de tantos anos sentindo falta de alguma coisa que não sabia bem o que era, descobri minha homossexualidade. Nessa vulnerabilidade, conheci meu sequestrador.
Ele fez seu papel como se tivesse nascido para desempenhá-lo. Observou, puxou papo, começou a frequentar a minha casa com desculpas como "grupo de oração", e derrepente vi na pressão dele uma tentativa. Sim, queria tentar um relacionamento tendo a certeza de que esqueceria essa "coisa de gostar de mulher"... Meu sequestro durou 1 ano e 6 meses. Comia, bebia e vestia o que ele queria, quando queria. Mentia e enganava pessoas de fé, não por vontade própria, mas por ser obrigada por quem tinha então, minha vida nas mãos. Chorava e sofria diariamente, era simplesmente um inferno. Fui afastada das pessoas que eu amava, da minha rotina, da minha alegria, da minha familia, da minha liberdade, perdi meu espaço, e em pouco tempo, não sabia mais quem eu era. Eu era uma boneca, um fantoche, que ia e vinha, mediante a vontade de quem prendia a minha vida.
Quando ele veio definitivamente morar em minha casa, as coisas pioraram. Então decidi sair daquilo tudo, afinal, ao longo do relacionamento, eu continuava atraída por mulheres, e isso, concluí que jamais mudaria. Foi então que o sequestrador de minha alma e minha personalidade decidiu por em cheque o quanto valia a minha vida. Quando recebi a primeira ameaça de morte, conversei com a minha mãe e pedi socorro. Ela nem pensou, pegamos as malas, as crianças, e mudamos de estado. Deixamos para trás tudo o que tínhamos, e todo o cenário do meu sofrimento, que até então, era desconhecido para a minha mãe.
O estranho é que mesmo depois de estar livre e tão longe de tudo, meu comportamento ainda era amedrontado, silencioso.. Tive de reaprender a ser quem eu era. Tive de reaprender a viver no mundo aqui fora, sorrir, ser feliz, começar do zero!
Hoje me sinto leve, completa, me sinto eu mesma. Lésbica sim, e não há como mudar isso. Fiz as minhas pazes com minha orientação e sou feliz. Deixei o cativeiro que me fazia infeliz.
Não sequestre a si mesmo. Não deixe ninguém sequestrar você. Aconteça o que acontecer, seja você, não tenha medo de sair do casulo, e se tiver, enfrente! Ame a liberdade e a alegria de viver o que sente mais intensamente do que seus próprios receios.
Teci um casulo, e nele, quase morri sufocada. Mas decidi ganhar asas antes. Voar e voar por aí, ciente dos perigos e mágoas, dores e alegrias que terei ao longo do caminho.


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2 comentários:

G.Machado disse...

Jesse, PARABÉNS... diariamente milhares de pessoas comete este tipo de sequestro.. a duplicidade de personalidade, para sociedade e familia é algo, mas para si e seus desejos interno é outra pessoa!

O bom de tudo, foi a sua vitória, o recomeço com gosto de mel e feliz.

Definitivamente bem vinda ao SAV...

Até +

Junior Healy disse...

Nossa que barra hein Jess.

Mas que bom que tudo terminou bem.
Tenho certeza que muitas pessoas vivem nesse cativeiro pelo qual vc passou e saiu vitoriosa.

Abaixo o sequestro da alma!

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